sexta-feira, 3 de julho de 2009

Tijolo por tijolo: o porquê e os comos da greve com ocupação dos estudantes da UNESP-Marília

do sítio passapalavra.info: http://passapalavra.info/?p=7647

nota do Blog da Greve: Beny - estudante independente de Ciências Sociais - redigiu o seguinte relato sobre a greve com ocupação dos estudantes da UNESP-Marília. Beny, cumpre dizer, em sendo classista e bastante combativo, ocupou a universidade todos os dias, buscando construir a luta contra a burocracia universitária, serva fiel da burguesia, nacional e internacional.



Tijolo por tijolo: o porquê e os comos da greve com ocupação dos estudantes da UNESP-Marília

Como é estar em greve e ocupado? Como construímos nossa atual mobilização? A partir de minha vivência, eis o que relato abaixo. Por R. M. dito Beny

Curso o primeiro ano de Ciências Sociais da UNESP de Marília. Devo dizer que não é a primeira faculdade em que estou: já cursei dois anos de matemática em outra UNESP, na qual pude participar da Greve de 2007. Particularmente, devo muito àquela greve, especialmente ao período em que pude ocupar a Reitoria da USP.

A minha militância, que se iniciava naquele momento, foi grandemente influenciada pelos acontecimentos: atos, assembléias, discussões. Além do mais, a miséria generalizada que o capitalismo impõe à maioria da população levou-me a ver que a organização do ser humano continha algo de errado; vi que, assim como um pequeno grupo dirige a universidade e a força a ser do jeito que eles bem entendem, um grupo também minoritário coloca os pobres e trabalhadores nas condições de subordinação. Como minha situação não é distinta da descrita, comecei a perceber qual a importância da relação entre os estudantes e trabalhadores e também pude adquirir conhecimento a respeito da atuação das organizações que estão inseridas nos diversos grupos componentes da universidade.

Desde então, concebi que seria necessário intervir de forma articulada nos movimentos que estavam por vir. Mas, ao mesmo tempo, sabia que a atuação de muitas organizações não tinha correlação com a verdadeira vontade do movimento – acontecia que, diversas vezes, a decisão dos grupos fechados se sobrepunha à dos “independentes”; os grupos se distanciavam dos fins que o movimento se propunha a atingir, para defenderem apenas sua própria linha política; muitas vezes tal atitude dos grupelhos colocava todo o movimento num sono profundo.

Após o fim da greve de 2007 e o período de calmaria que assombrou o movimento em 2008, houve de minha parte alguma reflexão, proporcionada por leituras de textos revolucionários e discussões em grupo de estudos, a respeito das circunstâncias em que se encontrava a UNESP. Por parte da burocracia acadêmica também houve reflexão: discussões fechadas, nos próprios órgãos colegiados, sobre o que fazer na suposta empresa que eles possuem (a UNESP); como, por exemplo, colocar em ação os planos privatizantes, elaborados por José Serra para atender às demandas neoliberais.

O resultado das reflexões, que não se limitaram à teoria, foi minha decisão em transferir meu curso, como relatei acima. Contudo, a mudança ocorrida não trouxe somente um novo curso, mas um novo contexto político.

Nesse novo cenário, pude presenciar o início de um Grupo de Estudos e Práticas Subversivas, denominado “Moradas Comuna”, que desempenhou funções importantes no primeiro semestre deste ano. Alguns atos em defesa e melhoria da permanência estudantil foram efetuados. Organizamos e tivemos presença em manifestações na própria cidade de Marília, em São Paulo e na Faculdade. A atuação deste grupo chegou mesmo a contribuir na ocupação do Restaurante Universitário, no chamado “entraço”, ocorrido no dia 7 de abril, que foi uma resposta à precária situação de trabalho dos funcionários do RU, às insuficientes refeições servidas e à falta de bolsas de permanência estudantil.

Desde os primeiros dias de aula do ano de 2009, ouvi muitas vezes a mesma coisa: “nesta Universidade: não temos aula, pois não temos professores” ou “o PDI vai mudar totalmente a estrutura da Universidade”, ou ainda, alguns reproduzindo a fala de ex-diretor do campus: “se não houver contratação de professores e funcionários urgentemente, a UNESP irá parar”.

2Os contextos econômico e político da UNESP-Marília eram distintos do outro campus em que estive: em Marília faltavam bolsas; muitos estudantes não tinham realmente o que comer; não tínhamos (e não temos) professores e funcionários em número suficiente; enfim, não havia (e não há) estrutura adequada para que as atividades que a universidade deve desempenhar pudessem ser desenvolvidas de fato. Boa parte do que ocorre na universidade não passa de aparência: é que as bases nas quais se apóia a UNESP são enganosas, ainda que concretas.

Eis os ataques e seu contexto. O primeiro semestre foi construído politicamente, aqui na FFC, com Assembléias e discussões sobre o desmonte da educação pública (PDI, ensino à distância, crise econômica, etc.). Logo pude compreender que não se tratava mais de lutas apenas por medidas que minimizavam o sofrimento do dia-a-dia do trabalhador das universidades, das aulas ruins, das terríveis condições oferecidas de permanência estudantil; tratava-se (e ainda se trata) de uma luta dura que deveria ser travada efetivamente contra o projeto político que a burguesia tinha para com a UNESP e as outras universidades públicas paulistas.

Os “Decretos Serra” foram derrubados em 2007 através de uma intensa luta, com greves e ocupações no estado de São Paulo; mas, a simples demolição não significou a morte dos mesmos, dado tratar-se de um projeto político-econômico de educação. Os ataques retornaram, com nomes diferentes: PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional da UNESP), UNIVESP (Universidade Estadual do Estado de São Paulo); as novas caras das velhas tentativas do governo e dos capitalistas de transformar a Universidade, de colocar a UNESP entre as 100 melhores do mundo: entre as 100 melhores servas dos ditames do mercado.

Nossa concepção de universidade é diferente à das altas administrações. Estes tratam de ir naturalizando as falhas do governo para com a educação pública, tornando cotidiano o que deveria ser o aberrante. Os interesses dominantes usam esta tática perversa; assim, a violência, a exploração e a submissão dos iguais tornam-se o natural, o esperado, o único caminho, o único mundo possível. Pela via da deturpação, do tráfico ideológico, pela manipulação intelectual e material [bruta], a burocracia, ao mesmo tempo em que vende o rótulo da qualidade, conduz a universidade ao abismo da precariedade e da lógica mercantil.

Concebemos que, se são os trabalhadores aqueles que asseguram o funcionamento da Universidade, logo, é às suas reais necessidade que ela deve atender. Ainda que os trabalhadores a mantenham, não são eles, no entanto, que a gerem. A administração fica a cargo de um grupo fechado, que impõe suas vontades a todos através da força. Uma dessas vontades é que as pesquisas sejam direcionadas para benefício de empresas, como o aperfeiçoamento de meios de produção – que na verdade servem para que os capitalistas consigam aumentar a taxa de extração de mais-valia dos trabalhadores. Estes não precisam ser ainda mais explorados. A real carência é a libertação da escravidão.

Nesse contexto, os problemas se somavam diariamente. A cada dia chegava uma notícia diferente, como demissões ilegais, destituições ilegítimas de representantes estudantis, corte de verbas; uma imensidão de medidas que demonstravam como os planos já estavam sendo concretizados. A isso juntava-se a greve dos trabalhadores da USP, iniciada no dia 5 de Maio, contra problemas bastante semelhantes àqueles que eu provava na carne, ainda que estudante no rincão que é Marília.

Diante da situação, que se mantinha insustentável, tivemos um estopim para o início de nossa Greve, que foi a realização de uma Congregação “Aberta”, no dia 26 de maio. Nesta, todos os estudantes e funcionários tinham direito a voz, mas não tinham direito a voto, para sair um pouco da rotina! Nesta Congregação “Aberta” verifiquei o real interesse dos burocratas a respeito da Universidade. Quer dizer, qual a amplitude daquela abertura? Tratou-se, portanto, de um teatro nos moldes tradicionais, mudando-se apenas o número de espectadores!

No mesmo dia, após essa Congregação, houve uma Assembléia Geral dos Estudantes. Naquele momento, caberia decidirmos se queríamos mesmo o aprofundamento do sucateamento da Universidade ou daríamos o início à luta contra os planos privatistas, sucateadores e que, na verdade, submeteriam ainda mais a classe trabalhadora e os já precarizados serviços públicos aos interesses dos capitalistas.

Diversos estudantes se mobilizaram para a Assembléia, com o objetivo de barrar a luta. Esses setores tiveram de permanecer calados, pois a situação que estava dada tinha de ser modificada. Os reacionários se limitaram a não impedir a radicalização do movimento.

Optamos pela greve com ocupação do Prédio de Aulas, como única saída viável para contornarmos o esfacelamento imposto.

Comissões foram articuladas no mesmo dia, para que se iniciassem as atividades grevistas e de ocupação e para que as ações que estavam por vir fossem efetivadas. As atividades da greve com ocupação deveriam sempre discutir criticamente os problemas sociais e, dessa forma, mostrar à sociedade o que ocorre aqui dentro. Mas, a princípio, as comissões estavam pouco combinadas em suas funções.

Propus-me a compor a Comissão de Comunicação. Esta tem até hoje o papel de articular dentro e fora do campus as informações e as ações do movimento estadual. Na primeira noite, por exemplo, tivemos trabalhos intensos que perduraram, sem intervalo, do fim da Assembléia a meados do dia seguinte. Posso dizer que pouco se dormiu naqueles primeiros dias.

Deve-se deixar claro o papel importantíssimo que essas comissões cumpriram e cumprem. Cada grevista se entregou, desdobrando-se para que as atividades competentes a cada uma das comissões ocorressem, de acordo com o deliberado em assembléia ou reuniões do Comando de Greve.

Mesmo com a tentativa de articulação das comissões, diversos problemas ocorreram. A indisciplina de alguns estudantes prejudicou o desenrolar das atividades daqueles que se mantinham empenhados. Um exemplo foram algumas madrugadas em que o barulho não permitiu o descanso dos ocupantes. Parece até uma eventualidade corriqueira, mas no conjunto de tarefas a serem efetuadas a cada dia, para que o movimento não se prejudique, ou prejudique outros movimentos na ativa ou aqueles que possam surgir, se faz necessário um mínimo de organização.

Tive a chance de presenciar outro ato que, por ventura, não prejudicou o movimento em sua totalidade: numa madrugada de sábado para domingo, um grupo de pessoas alteradas artificialmente adentrou a universidade, com gritos e calhando algazarra e discórdia, resultando na quebra de um vidro de uma das portas principais que dão acesso ao prédio ocupado. Contudo, após rápida reunião do Comando de Greve, conseguimos contornar a situação sem mais prejuízos.

5Esses e outros tantos fatos colocaram, mesmo que minimamente, o papel da greve e da ocupação em situação delicada. O que foi escrito acima pode soar a alguns um tanto quanto moralista. Porém, moralista é o senso comum, é a ideologia dominante que conduz os trabalhadores com seu doce veneno da boa ordem.

A greve tem a função de pressionar politicamente os capitalistas pela via da alteração da cotidianidade, da ordem dada à comunidade acadêmica e a toda sociedade que a circunda.

A prática grevista e a concepção teórica dos fatos que ocorriam foram aguçadas através dos debates não marcados oficialmente, das discussões nas horas das refeições, da exibição de filmes, das reuniões, entre outros essenciais eventos desenvolvidos e possibilitados pela greve. Em suma, a greve com ocupação trouxe a satisfação do compartilhamento de sociabilizações, que resultam em grande crescimento da individualidade de cada ocupante. O caso da luta ser travada contra pontos mais essenciais dos projetos neoliberais põe em questão o cerne do problema, deixando menos ofuscado, pelo compreender da realidade, a contradição que é o capitalismo.

A greve com ocupação dos estudantes da FFC-UNESP/Marília ainda perdura. A meta a ser cumprida requer um esforço muito maior. Entendo que há limitações na atuação do movimento estudantil, mas é um espaço que deve ser utilizado para servir de elo entre o conhecimento enclausurado e os trabalhadores.

A necessidade de outros setores e locais aderirem à luta ainda existe. O levante que fazemos contra alguns aspectos do capitalismo, que apresentam momentos essenciais de sua contradição fundamental, continua vivo. Nossa luta não terminará até que os muros da universidade venham abaixo e todos os trabalhadores tenham-na como meio aberto construtor de suas vidas.

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